O SIGNIFICADO DA QUARESMA


Como Mãe e Mestra a Igreja através da liturgia quaresmal tem um fim altamente pedagógico. Ele pretende guiar os fiéis, ajudá-los a viver com proveito um dos períodos mais importantes do ano litúrgico numa preparação consciente, santificadora para a comemoração dos mistérios da Paixão e Morte de Jesus Cristo. Ela quer que se descubra no Redentor as promessas da Antiga Aliança. O Mestre divino está a dizer a todos: "Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição". (Mt 5,17). No deserto onde estava em oração, Jesus será tentado. O deserto é um lugar de provas, de preces, de sofrimento. Lá Cristo jejuou e, como homem, muito se mortificou, mas sobretudo teve um contato íntimo com o Pai. Para se estar com Deus é preciso entrar no deserto do coração, de lugares apropriados para a oração, longe do bulício do mundo, para bem se escutar a voz do Espírito Santo. O tripé quaresmal é este: conversão, preces e redobrados esforços no caminho da perfeição. A conversão, ou volta ainda mais irrestrita para Deus, se cifra numa observância ainda mais cuidadosa dos ensinamentos de Jesus. Este recomendou enfaticamente que cada um de seus discípulos tomasse a cruz de cada dia e o seguissem. Isto leva a uma mudança de comportamento que multiplica os frutos das boas obras. É o que ensinava São Paulo, mostrando que todos devem discernir o que é mais perfeito e tornar-se puros e irrepreensíveis para o dia de Cristo, "cheios de frutos da justiça, que provêm de Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus" (Fl 1,11). Para que tal aconteça cumpre dissipar toda cegueira para que o Espírito Santo processe uma total transformação em todos os aspectos da vida do batizado: intelectual, afetivo, moral, religioso. Disto resulta o reequilíbrio da vida do cristão numa consagração contínua de todos os segundos do dia a Deus, uma vez que o Senhor não age havendo a cooperação do indivíduo neste maravilhoso processo. Quem assim se dispõe a colaborar com a ação do Espírito Santo percebe logo que o senso comunitário cresce, mesmo porque um batizado isolado é alguém que corre perigo. Daí uma abertura ainda maior para com o próximo neste período quaresmal. Algumas recomendações bíblicas devem ressoar ainda mais lá no íntimo de cada coração. O próprio Deus deu esta ordem: “Sede santos, porque eu sou santo (Lv 11,44)" (1Pd 1,16). O Apocalipse é claro: “O justo faça a justiça e o santo santifique-se ainda mais" (Ap 22,11). A liturgia repetirá o aviso de Cristo: "Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho" (Mc 1,15). Esta penitência preconizada pelo Mestre divino tem relação com a compunção, enquanto uma profunda repugnância de toda e qualquer falta na presença de Deus, e leva à metanóia, ou seja, a um compromisso pessoal de uma vida inteiramente nova. Tudo isto inclui a renúncia ou desapego das coisas materiais, das pessoas, das preocupações, supondo a ascese, dado que tais atitudes exigem esforço contínuo. O termo último é o amor de Deus que conduz à reparação dos próprios erros e dos pecados que se cometem pelo mundo afora por aqueles que se distanciam do Ser Supremo. Nem há de se procurar algo extraordinário, dado que a ocupações de cada hora já exigem por si mesmas coragem e espírito de sacrifício. A quaresma, porém, ao recordar todas estas verdades impulsiona os corações numa rota de mais intensa santificação. O efeito é faustoso, o qual experimentou Blaise Pascal que assim se expressou após sua conversão: “Alegria, alegria, alegria, lágrimas de alegria”. Com efeito, não se trata de nenhuma mutilação por parte daquele que passa a viver intensamente o espírito quaresmal, mas sim de uma libertação radical diante da misericórdia e da bondade divinas. Deste modo se pode então exercer plenamente a mesma missão de Cristo, isto é, que o mundo possa se encher de sua esperança e ser transformado pelo amor. A Quaresma desta maneira chama a atenção de todos no sentido de aprimorar uma vida cristã vivida sob a moção do Espírito de Jesus, testemunhando-o por toda parte. É que o valor espiritual de cada um, a real influência de sua irradiação depende do grau de realidade que Deus assumiu nele. O ideal é que ao passar pela quaresma e ao penetrar no Mistério Pascal cada um, apenas com sua presença, sem falar, sem agir, esteja irradiando Cristo Resuscitado. Se tal ocorrer o mundo será inteiramente transfigurado. * Professor no Seminário de Mariana de 1967 a 2008.







Última Alteração: 08:16:00

Fonte: Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Local:Mariana (MG)

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