NOSSA SENHORA NO EVANGELHO DE SÃO JOÃO.

Em entrevista com o bispo auxiliar emérito

de Brasília, Dom João Evangelista Martins
Terra, extraímos a matéria que se segue:
“Nossa Senhora no evangelho de São
João”. Para ele é o mais sublime dos
evangelhos. Dom Terra é jesuíta, biblista
renomado, autor de extensa bibliografia
referente às Sagradas Escrituras.
Trabalhou em vários países, inclusive no
Vaticano, por dez anos, no “L’Osservatore
Romano”, junto ao Cardeal Ratzinger.
Renunciou ao trabalho episcopal no dia
16 de junho de 2004, aos 79 anos.
São João fala duas vezes de Nossa Senhora em lugares importantíssimos de seu evangelho. No primeiro dia da vida pública de Jesus e no último. Começa depois do prólogo, em Caná da Galileia (2,1-11).
Tudo é profundamente simbólico em São João. O texto tem dupla significação. É uma realidade física que representa outra realidade mariológica, cristológica, eucarística, sacramental e eclesial.
Nas bodas de Caná (2,1-12), Jesus manda encher as talhas: Tirai agora e levai essa água ao mestre sala. Quando este experimenta aquele vinho delicioso, chama o noivo! Não foi o noivo quem fez o vinho, foi Jesus. Mas de propósito, naquelas bodas messiânicas, Jesus é o noivo. Como no Antigo Testamento (AT) em que Javé era o esposo e Israel sua esposa no Novo Testamento (NT). Jesus é o esposo e a Igreja sua esposa. Todo mundo serve o melhor vinho primeiro. Depois que já beberam bastante serve do menos bom. Tu guardaste o melhor até agora.
O vinho significa a vinda do Messias. Desde as primeiras bênçãos do AT, quando, por exemplo, Isaac abençoou seu filho e está escrito: Que Deus te conceda o orvalho do céu, a fecundidade da terra, a abundância de trigo e de vinho (Gênesis 27,28). A abundância de pão e de vinho era sinal das bênçãos messiânicas. Quando Deus chamou Abraão, nasceu um povo, nasceu o Messias, a única razão da existência de Israel, o berço no qual nasceria um dia a luz das nações pagãs.
Os discípulos, vendo aquele vinho, acreditaram nele. Nasceu a fé dos discípulos. Aquela sala de banquete representa a Igreja; estão presentes Maria, Jesus, os apóstolos. Nasce a fé, nasce a Igreja. Entre os muitos sinais que Jesus fez, escolhemos alguns para que acrediteis e, por meio da fé, consigais a vida eterna. (21,25). Então, se São João escrevesse todos os sinais, nem o mundo inteiro poderia conter os livros que se deveriam escrever! Foram escolhidos, porém, alguns não para nos distrair, mas para nos levar à fé.
Que é sinal? É um símbolo, é uma realidade que representa outra realidade, como a bandeira é um pedaço de pano, mas representa a pátria. É um sinal convencional. Deus pode criar realidades físicas, é o sinal de Jesus, ele cria como Deus cria: Faça-se a luz e a luz surge do nada (Gênesis 1,3), palavra eficaz de Deus. Da água jogada na cabeça de uma criança, nasce a vida eterna, é gerada para a vida eterna. É o sinal eficaz. São João mostra os milagres, mas os chama de “sinais”.
Na próxima Páscoa, Jesus iria tomar essa água, transformá-la em vinho, tranformá-la em seu sangue: este é o meu sangue da nova e eterna aliança (cf. Mateus 26,28). Na Quinta-Feira Santa, o vinho é transformado em sangue. Bebemos o vinho, consagrado sangue, não com gosto de sangue, mas como sinal. Lá em Caná, a água virou vinho delicioso, sinal eucarístico, é festa da próxima Páscoa. É sinal mariano, é Maria quem interfere. É sinal cristológico que manifesta o poder divino de Jesus. É sinal eclesial: nasce a Igreja naquele momento com a intervenção de Maria, com a beleza que é o primeiro dia da vida pública de Jesus.
Depois, Maria desaparece, começa a missão de Jesus não mais oculta. Ele era obediente a Maria, que o educou durante trinta anos: Jesus era-lhe obediente, agora não. Só depende do Pai. Não sabeis que devo me ocupar das coisas de meu Pai? (Lucas 2,49). Maria entra na penumbra reveladora. Revelar só depende do Pai, não há nenhuma mediação humana na missão reveladora. Quando chega a hora da crucificação, naquele momento, Maria está presente. No último dia da vida de Jesus (João 19), quando ele morre, é ela que está presente. Maria é a baliza que esteve o tempo todo na vida de Jesus. No primeiro dia e no último, sua função, quase estrutural, delimita o campo da vida pública de Jesus.
João termina a primeira parte do livro dos sinais, e começa o livro da glória, quando Jesus foi exaltado na cruz (a partir do capítulo 13). Jesus vendo sua mãe junto à cruz e perto dela o discípulo amado, diz: Mulher, mulher, eis aí teu filho! Filho, eis aí tua mãe! (19,25). Jesus diz mulher, e não mamãe. Por que ele usa essa palavra tão exótica? No Gênesis (3,15), quando começa o primeiro anúncio da redenção, Deus fala: Porei inimizade entre ti, serpente, e a mulher. Uma mulher te esmagará a cabeça. Ele quer colocar naquele instante messiânico, não só a mulher como sua mãezinha biológica, mas a Mãe do Messias.
A mulher é a nova Eva da era da graça. Maria, como a nova Eva, torna-se mãe da nova humanidade que nasce. São João compara o calvário a um parto doloroso. A mulher geme quando chega a sua hora, a hora da mulher, a do parto. Depois se alegra porque deu à luz um homem (16,21). Em Belém, não houve dor; no parto virginal, não houve lesão corporal. Agora recebe novo título de dor e de glória, mãe da Cabeça, (Cristo), e mãe de todos os membros daquela Cabeça. Calvário é um parto: nasce a humanidade, nasce a Igreja, do coração transpassado sai a nova Eva. Do coração de Adão, Deus extraiu a Eva. Do coração do novo Adão (Jesus), Deus extraiu a Igreja.
Após a morte de Jesus, saem sangue e água, como símbolos dos dois sacramentos que representam a Igreja. A água é o Batismo. Somos gerados pela água e pelo Espírito Santo. O sangue é a eucaristia, os dois sacramentos que fazem a Igreja. Há simbologia, sincronia, reciprocidade entre o corpo eucarístico e o místico. Onde houver a Eucaristia, ali está a Igreja. A Igreja é onde há Eucaristia. A Igreja que celebra a Eucaristia somos nós, Corpo místico. Reunidos, celebramos a Eucaristia, é quando então se localiza a Igreja. Há uma reciprocidade entre o Corpo eucarístico e o místico. Do coração transpassado, nasce a Igreja. Maria é mãe da Cabeça (Jesus) e de todos os membros daquela Cabeça. Nascemos para a Igreja naquele instante.
No capítulo 12 do Apocalipse, aparece um grande sinal: uma mulher vestida de sol com uma coroa de 12 estrelas. Estava grávida e gritava de dores do parto. Que parto é esse? Não é o parto virginal de Belém. É o parto doloroso do calvário, o coração da mãe que é transpassado, quando a lança transpassa o coração do filho que está morto e já não sente nada. Mas a este propósito nossos místicos comparam, recordam o primeiro poema da língua portuguesa, do Beato Padre Anchieta, jovenzinho, 19 anos, refém entre os índios, compondo o “Poema da Virgem” – Compaixão da Virgem na morte do Filho:
“Chaga divina, quem te abriu primeiro não foi a lança não, rasgou-lhe o coração, celeste chaga, onde possa entrar suavemente da cruz a salvação, vai contando então, a salvação que nasce do coração. De repente ele vê de pé a mãe, sou tua mãe sim, rude fel que essa chaga rasgou, a ti compete dar a ele abrigo ao pobre que pecou, sobra desse amor acalentado alegre de viver. De teu coração, Jesus amado, diria ao morrer, não foi o coração do filho que foi transpassado, mas foi o coração da mãe”.

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