Bem aventurados os mansos
Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra (Mt 5.5)
Em geral, presume-se que a terra é propriedade dos valentes, dos arrogantes. Os grandes conquistadores usurpam e sentem-se proprietários de terra. Eles alimentam uma forte compulsão para provar aos outros que estão por cima. Mas os que fazem guerra, no final das contas, não herdam nada além de destroços. Qual é o proveito de conquistar terra se não se conquistou ainda o terreno da própria intimidade pessoal, a tranquilidade do coração? De que adianta domínio, se construído sobre a destruição das pessoas? Os valentes, os poderosos e os famosos não podem andar a qualquer hora nem em qualquer lugar. Sua liberdade de ir e vir é condicionada à presença de inimigos ou bajuladores. Não possuem terra nem coisa alguma, nem mesmo a privacidade.
Os valentes olham para o mundo como uma arena, um campo de concentração. Os mansos veem o mundo como um espaço abundante – há lugar para todos. E assim todas as realizações essenciais à vida podem ser levadas a cabo.
O mais manso de todos
Jesus podia falar de si mesmo como humilde e manso de coração. Dada a sua condição anterior (“No princípio era o Verbo, o verbo estava com Deus e o verbo era Deus...”), Ele poderia arrogar-se de ser maior que os anjos. Poderia humilhar os seus opositores, mas para Ele vencer significava abrir caminho de vida, inclusive para os que lhe eram contrários. Jesus fez coisas extraordinárias, mas, se não as tivesse feito, continuaria sendo Ele mesmo. Sua condição de mansidão o levou a conquistar mais gente do que muitos valentes, como Nero, Alexandre o Grande, Hitler.
Basta entender que uma pessoa que, para se identificar, diz apenas: “Eu Sou” é alguém que tem plena consciência de sua mais profunda essência. Sendo assim, não há razão para se impor sobre outros.
A cruz foi o último sinal visível da mansidão de Jesus. Ele exercitou o poder de não usar da violência: não pediu fogo do céu nem aceitou a espada como instrumento de vingança. Somente alguém com muita consciência daquilo que é não sente necessidade de violentar, agredir ou de se explicar. Na cruz, Jesus é exclusivamente Ele. E nisso consiste toda a sua mansidão, toda a sua bem-aventurança. Enfim, toda a sua felicidade.
O discípulo é desafiado também a negar-se a si mesmo e tomar a sua cruz. Mas só é capaz de fazer isso quem é manso. E somente quem tem noção do valor de simplesmente ser é manso.
O manso sabe que é gente
Mais sábio do que alguém que conquista cidades inteiras, palácios e impérios é aquele que, desvendando a sua mais profunda identidade, tem o domínio de si mesmo e vive em total dependência de Deus. Quem vive assim sabe gerenciar e desfrutar de todas as suas potencialidades. A mansidão é a virtude de quem se percebe gente, de quem descobre a identidade de ser filho de Deus.
Os mansos não sentem necessidade de provar a ninguém coisa alguma, nem mesmo que são mansos. Eles sabem que, para ser gente, a única condição é ser e nada mais. Não são arrogantes nem violentos. Não aceitam nenhuma espécie de violação contra a vida, ainda que dirigida a seus supostos adversários.
O manso não é acomodado
Os mansos não são passivos. São famintos e sedentos de justiça e alimentam-se da indignação contra o mal. Por isso superam, resistem e vencem o mal (Rm 12.9-21). Conseguem confrontar sem medo seus inimigos, mas podem também orar por eles.
A ação dos mansos não depende da maneira como os outros agem. Para eles, preservar a integridade e a dignidade significa conservar seu próprio modo de agir, sem se deixar manipular pelo poder do mal.
Os discípulos são felizes pela virtude indestrutível da mansidão. E, como consequência dessa virtude, eles herdarão a terra. Um dia a terra será propriedade exclusiva dos mansos, e não dos desafortunados desumanos.
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Carlos Queiroz, casado, dois filhos, é pastor da Igreja de Cristo e leciona missiologia no Seminário Teológico de Fortaleza (CE). É autor de Ser É o Bastante e diretor executivo da ONG Diaconia. Paz e bem
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